HOSPITAL SANTA FÉ BELO JARDIM-PE

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Constituição pra quê? Até uma agência reguladora decide jogá-la no lixo!


Alguém indagará: “Qual a gravidade de a Anatel ter acesso irrestrito à nossa vida telefônica, por meio de documentos fiscais com os números chamados e recebidos, data, horário e duração das ligações? Ela não vai ouvir a conversa mesmo…” A resposta é simples: “Depende da importância que se dê à Constituição. Aqueles que acham que ela pode ser violada impunemente não verão mal nenhum; os que entendem que o respeito ao documento máximo do estado de direito é condição inegociável de uma vida civilizada não podem aceitar calados.


O Inciso XII do Artigo 5º da Constituição garante o sigilo das comunicações telefônicas, a saber:
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
É impressionante que uma agência reguladora, sob o pretexto de contar com mais instrumentos para avaliar o serviço das operadoras de telefonia, resolva fazer letra morta da Constituição. Em nota divulgada ontem, a Anatel afirma:
“Com tais propostas, pretende-se aprimorar a fiscalização da prestação dos serviços de telecomunicações, tornando mais célere e efetiva a verificação quanto ao atendimento das obrigações de qualidade, universalização e continuidade na prestação dos serviços, do atendimento às solicitações dos consumidores e à correção na tarifação de chamada”.
Nem se poderia esperar outra coisa de uma nota, não é? A Anatel não diria estar interessada em bisbilhotar a vida dos usuários. Atenção! Pouco importa saber se está ou não. Não se trata de um debate sobre disposições subjetivas. O palavrosa nota da Anatel, de que destaco um trecho, está dizendo, na prática, que, se a Constituição for cumprida, ela não pode trabalhar direito. Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público e, evidentemente, o Poder Executivo se lembram, com certa freqüência, de que é o estado de direito que atrapalha o seu serviço. Sem ele, parece que todos seriam mais eficientes. Ou por outra: todos eles saberiam como botar ordem na selvageria.


Informou Julio Wiziack na Folha de ontem:
“Em 31 de dezembro de 2010, a agência publicou no ‘Diário Oficial’ a compra, por R$ 970 mil, de três centrais que serão instaladas nos escritórios de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Essas centrais se conectarão via internet às das operadoras móveis. Primeiro, serão cobertas as bases da Vivo, da Claro, da TIM e da Oi, em Minas; Vivo, Claro e TIM, em São Paulo; e as das quatro operadoras no Rio. Nesses locais, o prazo para o início da operação é de até seis meses. Haverá um cronograma para os demais Estados e, numa etapa seguinte, serão instaladas centrais nas empresas de telefonia fixa. Essa rede permitirá conexão via internet às operadoras, garantindo o acesso às informações.”
A certeza de que a Constituição pode ser atropelada é tal que nem mesmo se esperou um juízo mais apurado sobre a constitucionalidade da decisão; providências foram tomadas para botá-la em prática, como se tudo pudesse ser resolvido por mero ato administrativo. Eu não nego que, em certas circunstâncias, leis precisem ser criadas, suprimidas ou corrigidas para dar conta de novas realidades sociais. Mas a democracia nos ensinou o caminho; ela prevê regras para alterar o código que a rege.
A Anatel, pelo visto, se coloca acima dessas frescuras constitucionais. Com sigilo, ela assegura, não consegue monitorar a qualidade do serviço. É uma piada! A agência diz que os dados só seriam acessados com a autorização dos usuários. É mesmo, é? E quem garante que um funcionário qualquer não possa usar a base disponível de dados por motivos nada republicanos? A recente campanha eleitoral revelou o grau de segurança que se tem até mesmo num órgão bastante profissionalizado — ao menos era — como a Receita Federal.
Insisto: em si, a coisa parece até meio besta. Mas estamos diante do sintoma de uma doença bastante perigosa. Órgãos do estado começam a considerar que a lei cria empecilhos para o exercício pleno do seu trabalho. Ora, se a lei atrapalha, então só a desordem liberta. Voltemos, pois, ao estado da natureza.

Por Reinaldo Azevedo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O Blog Paredão do Povo agradece a sua participação, mas não se responsabiliza por comentários dos participantes dessa página.